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quinta-feira, 5 de julho de 2012

quarta-feira, 4 de julho de 2012

[...] contando então, a feira, por exemplo, de Jequié, tem, foi uma
característica da, da época dele, 1920 mais ou menos. Ele disse oi meu filho,
vi vinha pra qui pra Jequié, voltando à feira, aí vinha aquele pessoal, as
cargas aquelas tropas de animais, com cangalha, com, com, é tinha
cangalha, tinha outros chamava panacum, era aonde botava as coisas, tinha
um que chamava bruaca, bruaca, era também um, um, um, um vasilhame,
um vasilhame, pra podê, pra botar um troço pra poder trazer feira, era feita de
couro de boi, a, a, a, na bruaca vinha aqueles alimentos mais nobres [...].32

O depoimento transcrito rememora a chegada das tropas de comerciantes,
montados em animais carregados de uma variedade de mercadorias. Os tropeiros
expunham sua mercadoria ao ar livre, esperando a aglomeração de fregueses
interessados nos seus produtos.
As lembranças de seu Raymundo Meira nos remetem às primeiras feiras que
se estabeleceram em Jequié33. Sua fala traz à tona um outro relato: a descrição da
feira jequieense, narrada pelo seu pai. Segundo Santos (2005, p. 26), “diferente do
tempo da história (passado), o tempo da memória é múltiplo. Passado e presente
estão lado a lado, tecendo inúmeras dimensões de uma experiência vivida”.
Nos livros do professor Araújo (1997a, 1997b), a presença da feira é relatada
anteriormente à instalação da sede da Fazenda Borda da Mata, no final do século
XVIII, onde a região que hoje comporia o município de Jequié tomava ares de
povoado ou arraial.
Conforme Milton Santos (apud ARAÚJO, 1997b, p. 32), “a região de Jequié
abrange paisagens naturais e humanas diferentes, até opostas; a zona semi-árida,
onde se cria o gado e se sofre de seca, e a zona úmida, onde se planta o cacau e
chove todo o ano”. O agreste jequieense divide-se entre mata e caatinga. A mata é
propícia à criação de gado bovino e, seguindo o leito dos rios e riachos, desenvolvese
também o cultivo do cacau e do café, já que, na caatinga, a criação de ovinos e
caprinos é mais profícua.
A caatinga34 mostra exuberância em meio à sua vegetação; do solo seco e
árido surgem o umbuzeiro, o espinheiro, a aroeira, o ouricuri, o mandacaru, a cássia,
a macambira, o xique-xique, o quipá e a cabeça de frade.
Como afirmaram as raizeiras que foram entrevistadas por nós, é possível
encontrar ainda o pau ferro, a sapucaia, a gameleira, o juazeiro, o ipê, a aroeira, a
jurema preta, a umburana, a quina, o algave, o jequitibá, uma flora rica que é
tradicionalmente vendida e consumida até os dias atuais nas feiras de Jequié.
Para Santos (2005, p. 11), essa prática de cura, utilizando-se da riqueza da
flora de cada cidade, somada aos agentes que aprenderam o segredo da cura pelas
plantas, raízes, folhas e sementes, resultam numa “medicina alternativa”35:

Assim, muitas pessoas acometidas de alguma doença procuravam se tratar
em casa. Era habitual se servirem de folhas, ervas, raízes, chás,
beberagens, garrafadas e/ou uma reza, uma oração e promessas para
cortar o mal. O interessante é que cada uma dessas “receitas” era
constantemente apropriada e socializada entre as pessoas de diversas
camadas sociais da cidade.

Na feira do bairro do Joaquim Romão, na cidade de Jequié, a barraca –
improvisada por um cavalete e um tabuleiro – de medicina alternativa de Dona Maria
é uma das mais antigas por ali. Em um pequeno espaço recuado já no final do
perímetro determinado pelo setor público Municipal para a feira, Dona Maria
mercadeja. Há quase trinta anos vive da e na feira, percorrendo os vários
logradouros para onde a feira foi remanejada.
Dona Maria vende produtos extraídos da flora do bioma caatinga – cascas,
raízes, sementes, folhas –, em sua maioria, coletadas por ela, ou compradas na mão
de fornecedores específicos, principalmente as plantas que não são encontradas na
vegetação de mata ou caatinga.

32 Entrevista realizada com o Sr. Raymundo Meira Magalhães, 68 anos, em 17/03/2011. Local da
entrevista: Museu Histórico de Jequié.
33 Localiza-se no sudoeste baiano, precisamente 13° 51' 28" S 40° 05 02" O, no Vale do Rio das
Contas. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012).
34 A obra de Leal, Tabarelli e Silva (2008) traz um levantamento sobre o bioma e refuta de uma vez
por todas a falsa noção de que o bioma é uma região pobre em espécies e endemismos.
35 Santos (2005) define essa medicina alternativa como campo geral das diversas práticas curativas
que são proibidas e perseguidas tanto pelo olhar técnico e científico da medicina acadêmica
quanto pelo olhar do aparelho judicial e policial. “A procura de tais práticas iria depender,
sobretudo, do sistema cultural compartilhado pelas pessoas – enfim, da crença que os doentes
tinham nos procedimentos distintos daqueles exercidos pelos profissionais da saúde pública ou
privada” (SANTOS, 2005, p.14).

SANTOS, Saionara A. de Santana. As trocas de origem simbólica e material disseminadas por mulheres negras nas feiras livres de Jequié-Bahia:1980-2011. Dissertação  (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Santo Antonio de Jesus, 2012.
Os caminhos do sertão, o comércio e a formação das feiras de Jequié

As feiras também se fazem presentes em nosso passado colonial, como
uma importante tradição cultural ibérica implantada pelo elemento
colonizador. [...] No Brasil, as tradicionais feiras de gado contribuíram no
século passado para a formação de núcleos de povoamento que
posteriormente se transformaram em centros urbanos de grande
dinamismo, sobretudo no interior paulista e nordestino. (JESUS, 1991, p. 3).
A história da cidade de Jequié começa a se delinear quando bandeirantes e
desbravadores iniciam a saga da interiorização do Brasil nos séculos XVII e XVIII;
neste período, os rebanhos avançam em direção aos sertões nordestino e mineiro,
dispersando-se ao longo das margens dos rios (ANDRADE, 2004; PRADO JÚNIOR,
1943). Houve a necessidade de afastar o gado do litoral canavieiro, para que todas
as terras litorâneas fossem melhor aproveitadas para a produção do açúcar e seus
derivados, já que este território ocuparia extensos pastos mais lucrativos se
utilizados na cultura canavieira (NOVAIS, 1969; FURTADO, 1959).
A necessidade de deslocar o gado para outras pastagens, sem no entanto
deixá-lo indisponível, já que este continuaria a abastecer as necessidades do
engenho – transporte e força motriz dos engenhos de trapiche –, faz com que sejam
abertas picadas*, adentrando o interior do Brasil. Os sertões nordestinos se
estabelecem enquanto a área criatória mais antiga da colônia.
No Nordeste, em particular, essa função adicional da pecuária contribui para o
crescimento populacional, pois, apesar do declínio econômico do litoral em certos
períodos, os habitantes sertanejos encontram meios de subsistência no interior,
terras de clima e solo propícios para a criação de gado e para desenvolver um
pequeno comércio com produtos considerados, pelos sertanejos, verdadeiras
especiarias, devido ao seu difícil acesso. Essas pequenas feiras móveis se
estabeleciam nas povoações que iam se formando pelo caminho.

*Picadas – “Trilhas e caminhos abertos no meio da mata, de forma rústica. [...] Atalho estreito, aberto no mato a golpes de facão; pique: ‘Atravessou primeiro por uma estreita picada... a
pequena capoeira que limitava os campos do marido’. (José Veríssimo, Cenas da Vida
Amazônica, p. 276)” (FERREIRA, 1986, p. 1.081).


SANTOS, Saionara A. de Santana. As trocas de origem simbólica e material disseminadas por mulheres negras nas feiras livres de Jequié-Bahia:1980-2011. Dissertação  (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Santo Antonio de Jesus, 2012.

sábado, 30 de junho de 2012

Segundo Antunes (2008, p. 320),
"O caráter social e cultural da memória é conseqüência da
interação entre indivíduo e meio social, contudo, a apreensão das experiências concretas
através do ato de rememorar, é exclusivamente pessoal. Por isso a existência de
semelhanças, distinções, ou mesmo contradições em relatos e depoimentos acerca de um
acontecimento específico não se caracteriza como fato peculiar para o estudo da memória,
pelo contrário, seu caráter individual impede a possibilidade da existência de memórias
exatamente iguais".

Referência:
ANTUNES, Henrique Fernanades. Revista de Iniciação Científica da FFC, v. 8, n.3, p. 319-328, 2008.

INDICAÇÃO DE LEITURA.


MARIANA PAIVA

Sem bordados nem laços de fita, as cangaceiras costuraram suas histórias, letra a letra, com tecidos mais resistentes que os dos vestidos das outras moças da cidade. Com Anésia Cauaçu não foi diferente: ela, que foi a primeira mulher a entrar para o cangaço no Brasil, carregou consigo também o mérito de ser autoridade e líder de um bando de cangaceiros num tempo em que a mulher ainda caminhava bem longe de emancipação. Amanhã, às 18 horas, o professor e escritor Domingos Ailton lança, na Biblioteca Pública, o romance Anésia Cauaçu, que mistura ficção e História para contar a saga da cangaceira, uma das mais comentadas na região de Jequié, onde viveu. Foi ainda na infância, aliás, que o autor do livro, de 41 anos, ouviu falar em Anésia pela primeira vez. "Minha mãe contava a história dos Cauaçus e minha avó colocava os filhos para dentro do mato para protegê-los quando os cangaceiros e as volantes apareciam", revela. Para Ailton, entretanto, foi um livro escrito pelo historiador Émerson Pinto de Araújo que despertou a vontade de escrever sobre a personagem. "Ele lançou o desafio de que a história dela precisava ser contada, e então decidi contribuir como ficcionista", afirma.
Rico em detalhes históricos, o romance apresenta alguns personagens ficcionais, mas, na maioria das vezes, procura se ater ao que aconteceu. Anésia, por exemplo, é retratada de acordo com muitas das descrições que recebeu na época. "Ela pedia cachaça nas vendas, jogava capoeira. Foi a primeira mulher do cangaço a usar calças compridas e montar cavalo de frente. Ela se destacava nos combates porque atirava melhor que os homens". Um dos pontos altos da história é contar que Anésia tinha o poder de se transformar em rochas ou em árvores depois de rezar. Assim, misturando o sobrenatural à história, Ailton enriquece seu relato. "Anésia tinha que ser mesmo muito retada para, na sociedade paternalista de Jequié, liderar os cangaceiros", diz o autor.


Publicado pelo jornal A Tarde - em 08 de março, 2012.

Reportagem de Ivan Bezerra e Ricardo Lima sobre a visita de Dalva de Oliveira a Jequié.